Notas pós set de Nina e o Abismo

Alice Name-Bomtempo
3 min readJun 20, 2022

--

Foto de Poliana Paiva, uma das atrizes do filme.

de 19 de junho de 2022

Me levantei com uma mensagem da Nina falando que acordou às 4 da manhã para pegar a van invisível pra mais um dia de set. Flashes imagéticos, sonoros e físicos ficam vindo para mim dos últimos três dias, igual quando a gente passa muito tempo olhando fixamente para a luz.

Fazia 5 anos que eu não pisava em um set como diretora, e 6 desde que escrevi a primeira versão do roteiro de Nina e o Abismo. Amanda e eu passamos todo esse tempo tentando viabilizar o projeto, enquanto eu tentava descobri-lo. Das dezenas de tratamentos, muita coisa mudou, mas nunca deixou de ter Nina e a floresta que ela percorre.

Os 6 anos que levei para chegar a essas 11 páginas foram uma parte importantíssima do meu longo (e infinito) processo de formação como roteirista e diretora. Isso também vale para os 4 meses de pré e os 3 dias de filmagens, da mesma forma que para chegar a eles foi essencial todas as demais experiências que vivi e trabalhei nos últimos anos. Tento trazer para o set o que aprendi com os processos coletivos saudáveis de escrita de roteiro, que fogem de respostas fixas e compartilham perguntas concretas na base da escuta e do respeito.

Falo de números de dias, meses e anos porque fazer audiovisual é necessariamente uma inversão desproporcional do tempo. Trabalhamos por uma quantidade incontável de horas para chegar a um resultado que durará minutos. Por isso, cada vez acredito mais fortemente em como os processos precisam ser gostosos, saudáveis e respeitosos. Porque se não, o produto para o qual eles estão direcionados significa muito pouco.

Conversando com uma amiga esses dias, ela falou que é muito mais fácil trabalhar quando você conquista a confiança das pessoas. Talvez pareça óbvio, mas não é. Da mesma forma que escutar e olhar, mas escutar e olhar mesmo, não são.

Já achei muito que o Nina nunca fosse acontecer. Já disse muito que não gosto de dirigir. Ainda bem que essas respostas também não eram fixas, e que eu estava errada. Hoje também vejo como muito do que disse e escolhi deixar de fazer foi afetado por experiências traumáticas, sets violentos, dinâmicas de trabalho que são disputas de ego que cagam para as pessoas e, justamente, não são construídas na base da confiança, mas na da coerção. É muito difícil rejeitar tudo isso e confiar de que é possível fazer de uma outra maneira. Mas é.

Eu não acredito que as coisas aconteçam por uma razão ou na hora certa. Eu acredito que elas acontecem e nós reagimos tentando fazer o melhor possível com elas. “Possível” porque este é o resultado real do ideal que vislumbramos na nossa cabeça. E ainda que fazer um filme seja um reordenamento do tempo como o percebemos, é também necessariamente se confrontar com a realidade. Mesmo que seja um filme de fantasia. Por isso, acho que realmente só poderíamos fazer o Nina agora. Se tivéssemos feito antes, seria uma outra Nina, uma outra Amanda e uma outra Alice que existiriam.

Elas, habitantes de um universo paralelo, nunca vou conhecer. Mas sinto um orgulho gigante das que habitam o universo que conheço, e por terminar as filmagens com uma equipe feliz, o que diz muito sobre o tal do processo gostoso. Agradeço a todos profundamente por compartilharem seus olhares, suas escutas e sua confiança para a construção desse abismo.

--

--