Hoje faz exatamente um ano desde que fui embora de Cuba.

Alice Name-Bomtempo
2 min readFeb 7

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De 07 de fevereiro de 2023

Ao me dar conta disso, minha cabeça foi invadida por um fluxo de palavras que tentavam fixar uma sensação ainda muito turva e sei que só vou poder voltar a tentar dormir quando colocá-lo para fora.

Ainda sinto que perdi o espaço e o tempo onde mais fui presente, feliz e pertencida. Por mais que dali não fosse, por mais que a escola seja, tenha sido e será a casa de centenas de pessoas que deixam um inapagável lastro fantasmagórico que impede a teórica unicidade do que é um lar. Não tenho em minha vida a noção de continuidade de uma casa ou espaço de infância, nem um local geográfico do qual eu claramente sou, mas as janelas do meu quarto na sibéria (que nesse exato momento já foram de pelo menos duas outras pessoas depois de mim) se encaixam como uma possibilidade de ponto de referência que me permite saber de onde eu tô olhando para um pedaço do mundo.

Igual à escuridão da carretera de entrada da escola nas noites de lua minguante onde eu ia e voltava compulsivamente ouvindo música sem conseguir ver as minhas pernas, sob a possibilidade de que meu corpo tivesse deixado momentaneamente de existir. Ainda sinto falta de andar por um enorme espaço aberto a qualquer hora, do céu que explode em mil cores e, gigantesco, me engole, apesar de também lembrar do tédio e da sensação de claustrofobia por não ter nenhum outro lugar para ir.

Ainda vejo o preto-azul do buraco infinito da vista do malecón de la habana à noite, onde muitas vezes tentei identificar a linha que divide céu e mar e fiquei aliviada por não ter conseguido. Reconheço a necessidade de limites, mas também preciso que eles sejam impossíveis.

Ainda conto as folhinhas de papel higiênico e me surpreendo com a quantidade e variedade de comida que posso comprar no mercado, com as poucas vezes que a luz vai embora, com os carros modernos e a internet vinte e quatro horas.

Ainda não voltei a comer batata doce.

Ainda não reaprendi a sair de casa, ver e tocar em pessoas, apesar de buscar desculpas constantemente para pisar na rua e me mover.

Não tenho certeza se já voltei. Ou se já me fui.

"Pode-se voltar para casa, desde que se compreenda que casa é um lugar onde nunca se esteve."

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