Carta para lugares que não existem mais

Alice Name-Bomtempo
3 min readJul 8, 2021

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Cuba, 08 de julho de 2021

A começar, esse título é uma mentira. Podem mesmo lugares deixarem de existir? Parte de mim não acredita nem um pouco, e a outra, acredita completamente.

Acredito completamente porque é evidente que quando um espaço é fisicamente eliminado ou alterado, sendo ocupado por outro, ele deixa de existir. Ao menos materialmente. Foi isso que aconteceu com o Ponto China, da Beth, meu restaurante favorito de São Paulo.

Não acredito nem um pouco porque na próxima e em todas as vezes seguintes que eu passar em frente a ele (ação de um futuro que parece estranhamente distante), todas as suas comidas, esperas, amigos, solidões deliciosas e balinhas de café se reavivarão em mim num gosto único e muito mais longo do que minha língua é capaz de provar.

Começo a viajar nos meus lugares favoritos de São Paulo e já não sei mais a quem direciono esta carta. Essa cidade próxima que pela maior parte da minha vida foi muito distante, para então tornar-se um refúgio que não refugia porra nenhuma, não pelo que ela é (seja lá o que for ser alguma coisa), mas por quem ela me lembra.

Não acredito que lugares possam deixar de existir porque eles vivem mais na gente do que fora. O tempo que eu passei no Ponto China é muito menor do que o tempo que eu passei pensando nele, com vontade de voltar. Agora que ele fechou (será que você volta, Beth?) esse tempo vai continuar crescendo, junto com a saudade.

A última vez que eu fui nele foi com a Amanda, no começo de 2020. Foi também a última vez que vi a Amanda e São Paulo, e todas as minhas pessoas e lugares de São Paulo.

Lá pra outubro, eu caminhei pela primeira vez por mais tempo no meu (meu?) bairro, isso no Rio. Vi um monte de lugares fechados. Lugares com os quais eu não me importava, como o KFC em frente ao ponto de ônibus. Lugares com os quais eu tinha relações contraditórias, como o café livraria ao lado do Estação. A rua em que eu passei mais e as mais diversas horas da minha vida andando já não era mais a rua em que eu passei mais e as mais diversas horas da minha vida andando. Agora ela que andou e foi embora, e o meu pé pisava em um cimento desconhecido. Ela podia ter me avisado, pra gente se despedir, sei lá.

Eu sempre senti mais saudades dos lugares que das pessoas. Não que a saudade das pessoas seja pouca, mas é que os lugares justamente são recheados delas, de mim mesma, e de gostos muito mais longos do que minha língua é capaz de provar.

Tenho a sensação de que os lugares todos se transformaram para sempre, e que nunca mais poderei voltar para eles, mesmo quando eu puder voltar. Eles juntaram as suas coisas com presa e foram embora, na crença esperançosa de que era temporário. A minha metade que compartilha dessa crença também guarda essas coisas com carinho, pronta para transformá-las em novos lamens, cervejas, cafés e caminhadas. Infelizmente, encerro esta carta mais próxima da minha outra metade. Mas, seja como for, tenho em mim inteira o meu amor eterno por esses lugares, quer eles existam ou não.

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